Comportamento x Ideologia: um desafio para os Movimentos Sociais


Esta é uma rara análise sobre um assunto candente sobre o qual ainda não se tem voltado a tratar mais objetivamente, mas que está aí movimentando a cultura nacional e até global.



Dado o preocupante acirramento ideológico que vem acontecendo no cenário social, estaria mais do que na hora de colocar certos “pingos-nos-is”. O problema acontece talvez quase em toda parte, mas é muito agravado nos países pobres ou em desenvolvimento dada a fragilidade da questão social ali existente.
A união das forças sociais é uma necessidade para qualquer vitória ante o opressor poderoso e organizado. E sabemos perfeitamente que estas forças sociais devem buscar consensos mínimos entre si, visando ampliar o seu leque-de-alcance.
Contudo, há que ver se existe sempre esta coerência mínima nas suas agendas, sob pena de poder estar abrigando causas oportunistas e parasitárias. Os Movimentos Sociais não deveriam pensar duas vezes antes de apoiar causas individualistas que poderão cedo ou tarde 
se revelar contraproducentes para eles, e até se voltar contra os grandes interesses e necessidades universais da sociedade? 
Talvez em alguns países desenvolvidos, onde o cenário político seja mais simplificado, estes movimentos alcancem maior legitimidade sem causar maior confusão e divisões. Porém, mesmo nos Estados Unidos este debate está se tornando bastante acirrado.
Ora, se o tema da ideologia já é um labirinto, envolvendo coisas tão complexas como luta-de-classes e anti-imperialista, quando se misturam interesses comportamentais privados, a questão pode acabar inviabilizando a própria democracia...

A Democracia em países pobres já serve muito para dividir a nação. A luta-de-classes é uma coisa totalmente contraproducente ali. Agendas comportamentais podem enterrar as esperanças sociais nesta situação. A nossa análise não se destina, contudo, a avaliar o mérito destas causas privadas, e sim a legitimidade em misturá-las com verdadeiros movimentos sociais ideológicos ou libertários.
O tema em pauta não é novo, embora tenha caído em desuso em função do debilitamento da Esquerda tradicional ao final da Guerra Fria. Ou seja: o comportamento é um interesse individualista, e não integra verdadeiras causas sociais. Muitos socialistas tinham a bom-senso de não querer misturar comportamento com movimento social. Entre os nacionalistas isto é ainda mais evidente, com o requinte de haver entre eles a valorização da cultura e da tradição.
Em que medida a pauta comportamental contribui ou prejudica os movimentos sociais -como na velha história da maçã podre? Será que o tema “comportamento” não estará sendo inserida de uma forma indevida e até intrusa nas reivindicações sociais, podendo assim prejudicar a verdadeira evolução social do país? Pode ser uma coisa muito grave perder oportunidades históricas, isto pode gerar reações cármicas extremamente sérias, capaz de inclusive se revelar contraproducentes em última análise aos interesses dos próprios movimentos comportamentais.
Não é nada difícil observar o acirramento dos ânimos ocorridos a partir das últimas eleições (2014), quando o “nível” dos debates foi dito haver sido o pior da história do país. O vale-tudo do governo para se perpetuar no poder, criou uma indignação muito grande no país, insuflando o conservadorismo latente nas pessoas. Com isto, a Esquerda se apequeneceu, se restringiu. 

Assistimos nesta ocasião, uma candidatura com sólida agenda ambientalista emergir com chances reais de assumir a presidência de um grande e importante país -inclusive sendo alçada a tanto pela “mão do destino” (como poderiam julgar alguns) através da morte da candidatura principal-, acabar sendo derrubada pela simples maledicência e pelo preconceito difuso!
O grande e duvidoso trunfo do governo foi expurgar uma oposição emergente, associando-a à religiosidade conservadora. E no entanto, é possível haver menos conservadorismo econômico nesta oposição, do que no próprio governo e nos próprios movimentos comportamentais que acabaram apoiando o governo... 

Causas ideológicas e agendas comportamentais

Um dos grandes problemas da organização dos movimentos sociais ou das chamadas forças-de-esquerda modernas, estaria na confusão entre as reivindicações privadas, e as urgências universais.
Deveriam os movimentos sociais tradicionalmente anticapitalistas, apoiar toda e qualquer causa, independente da sua coerência socioeconômica? 
Imagine se depois de muita luta para ajudar certas categorias, e criando divisões e perdas por causa destes apoios (se é que algum dia tal coisa poderá levar a grandes vitórias), se consiga outorgar os direitos que estas categorias demandam, será que elas terão interesse em apoiar as verdadeiras causas universais, ou todo o contrário?...
Não caberia considerar como “social” os interesses das elites buscando direitos específicos e não-universais. Direitos universais são o alimento, a moradia e o trabalho, talvez o livre-trânsito –coisas que estas elites possuem “de sobra”...


Podemos apontar esta confusão entre ideologia e comportamento como uma verdadeira vitória do sistema opressor. E se insistirmos em chamar de “movimentos sociais” às causas de base meramente comportamentais, então os movimentos sociais devem se dividir ainda entre ideológicos e comportamentais.
Mas, que são realmente “movimentos sociais”? Os verdadeiros movimentos sociais buscam reivindicar temas necessários e universais, e não qualquer tipo de movimento reivindicativo de causas específicas, como por exemplo a polêmica desarmamento versus armamentismo.
A luta anti-racista deveria ser vista como universal, porque cor-de-pele não é tema subjetivo ou comportamental, sendo usada como pretexto para a exploração social. Um dos tantos problemas do Nazismo, é que estava poluído por falsas ideologias, sobretudo xenófobas e racistas, incluindo no seu “nacional-socialismo” uma agenda comportamental radical - ainda que em certos casos também houvesse uma postura econômica, que logo porém se revelou oportunista (como costuma ocorrer nestes casos) através do escravagismo. Mesmo assim, a “solução” para o problema do “judeu errante” (ou para o cigano e o homossexual) jamais poderia ser o genocídio ou o morticínio...

Se insistirmos em chamar de “movimentos sociais” às causas de base meramente comportamentais, então os movimentos sociais devem se dividir ainda entre ideológicos e comportamentais.
Causas comportamentais geralmente possuem agendas sexuais, como feminismo e homossexualismo e “afins”, sendo mais comum entre as elites, mesmo porque extrapolam de muitas formas as necessidades essenciais; acima citamos o item “armamento” como fator-de-segurança, mas que inclui óbvias razões sociais. Já causas ideológicas tem base econômica, como reforma agrária e saúde pública (incluindo o ambientalismo), assim como o combate ao racismo antes citado.
Assim, enquanto algumas pessoas estão lutando para ter acesso ao consumo nutricional mais elementar, estas “elites” são notoriamente dedicadas a um elevado consumismo (quando não fazem disto “um sentido das suas vidas”). E enquanto uns querem alcançar direitos básicos como moradia e trabalho, estas minorias visam direitos especiais “inovadores” criando situações sociais polêmicas e questões judiciais complexas.

Uma questão histórica


Assim, mais uma vez, se estará misturando as agendas burguesas com as proletárias -ou apenas com as “universais”!
Quando a burguesia ascendeu ao final da Idade Média, começou toda uma cooptação do trabalhador em favor das causas destas novas elites econômicas -sempre com muitas promessas de evolução social para todos, é claro, graças ao aumento das riquezas e aos “milagres” da tecnologia!
Mas, logo se viu que esta evolução seria muito limitada, às vezes até resultando em deterioração do ambiente de trabalho sob o plano industrial. Nas guerras burguesas o quadro foi idêntico, o homem comum é que perecia para defender os interesses da burguesia com o status da aristocracia cujos defeitos eram naturalmente exagerados.
A burguesia sempre revolucionou os costumes através da revolução econômica, diria Karl Marx, quem buscou fazer o proletariado se apropriar de uma fatia deste poder-de-inovação, misturando porém de certa forma coisas naturalmente distintas. Afinal, a pobreza nunca foi um problema realmente econômico, e sim social ou ideológico. 




Com o advento das Repúblicas e a queda do Feudalismo, a própria burguesia assimilou aquelas categorias aristocráticas conservadoras, mais próximas da religião tradicional, para não falar das adaptações que a própria religião sofreu favorecendo os ideais burgueses de prosperidade material. O espírito do antigo patriarcado ainda influenciou as mudanças sociais através do Nacionalismo e da Independência, seja anti-colonial ou pelo desmembramento dos impérios.
Neste meio nasceram daí tensões, entre uma burguesia mais conservadora e aquela outra mais liberal. E foram estas que acabaram tomando os assentos no Parlamento Francês, colocando as bases bipartidárias da República moderna, na qual as reivindicações do homem comum jamais terão verdadeiro lugar...



Então começam também as revoluções proletárias, forçando a burguesia a se adaptar e a “entregar os anéis para não perder os dedos”. A democracia foi uma conquista nesta direção, superando as tendências republicanas mais elitistas. Contudo, a manipulação da democracia nunca foi uma dificuldade para as hipócritas elites tradicionais.
As mudanças comportamentais acompanham, pois, a própria “evolução” da burguesia. A moderna propaganda-gay da mídia capitalista e das novelas, não passa de mais uma cartada do liberalismo burguês visando promover e empoderar novas categorias consumistas, da mesma forma como fizeram com o Feminismo para aumentar a mão-de-obra, e com a deterioração da sociedade rural e indígena para ampliar o agronegócio industrial.


Claro que toda propaganda sempre coloca na sua bandeira vistosamente algumas questões legítimas visando convencer os incautos, mesmo Hitler fez uso desta arma midiática. Contudo, a solução destes “detalhes” críticos, nunca necessitaram mudar tudo para serem resolvidos.
Agendas comportamentais não passariam de transformações inerentes à própria burguesia, no seu afã de “mudar o mundo” a partir das transformações econômicas e tecnológicas, na medida em que esta classe adquire mais tempo para usufruir do seu luxo e visando combater o seu próprio tédio com mudanças culturais.
Obviamente, esta é uma “generalização” das coisas, válida porém, afinal a burguesia dita moda e comportamento para angariar simpatia e vender ilusão. A transferência de padrões comportamentais da burguesia liberal para a sociedade em geral, com o objetivo de ditar novos comportamentos consumistas ou apenas visando alardear e disseminar os próprios gostos privados, cria confusão e problemas gerais, como frustração, incapacitação e marginalização. Aquilo que é privado ou de “foro íntimo”, assim deveria ser mantido em respeito ao Bem Comum.

A agenda comportamental da mídia burguesa, não passa de aliciamento para as suas próprias causas ou, mais exatamente, para conseguir serviçais úteis: aquilo que a burguesia liberal procura são basicamente autômatos consumistas.

O apoderamento das “diferenças”

Quando uma categoria adquire poder, seja econômico ou demográfico, as instituições tendem a se tornar simpáticas a elas. A mídia e a política, em especial, buscam dar voz a estes segmentos que, afinal, emergem como novos redutos eleitorais. Contudo, tal coisa pode se revelar oportunamente como um tiro-no-pé.
O ponto crítico é que os movimentos sociais comumente se aninham em partidos, mas seria de bom alvitre dar atenção demais à agendas especiais de reivindicações comportamentais, que podem ser resolvidas no próprio âmbito da lei universal.
As causas sexuais não necessitam de movimentos sociais para alcançar as suas demandas: estas pessoas têm plena capacidade de militar diretamente dentro das instituições, porque tem acesso a elas através do estudo e do poder financeiro. Quantos gays e mulheres alcançam boas colocações profissionais e atuam em cargos oficiais, às vezes sem o conhecimento público das suas opções íntimas?


Já os negros, os índios, os pobres, os estrangeiros, os sem-terra e afins (sem-teto, atingidos-por-barragem, etc.) e até os deficientes, entram na categoria dos despossuídos. Obviamente existem as causas “mistas” que merecem uma análise caso-a-caso. Já os ambientalistas acham-se numa zona natural de transição, porque o meio-ambiente é uma vítima direta dos desmandos do materialismo e o problema atinge a todos, uns mais e outros menos.
A agenda feminista não é elitista? A mulher pobre sempre teve que trabalhar, inclusive fora de casa, por razões econômicas – isto faz parte do sistema patriarcal e capitalista. Após terem o trabalho externo como uma necessidade comportamental, as mulheres “ricas” hoje estão muitas vezes repensando esta ideia, para terem-na apenas como uma opção, como realmente deve ser.
O preço cobrado pela agenda feminista foi alto, de desestabilização da família e da redução da saúde da mulher. O aborto, que é um dos itens desta agenda, é uma prática duvidosa para quem acredita na soberania da vida, podendo existir outras opções.
Leis radicais são criadas para combater excessos, e quando se cria finalmente leis mais equilibradas, muitas vezes o estrago já está feito em função das jurisprudências praticadas.



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* Luís A. W. Salvi é autor polígrafo com cerca de 150 obras, e na última década vem se dedicando especialmente à organização da "Sociologia do Novo Mundo" voltada para a construção sócio-cultural das Américas.
Editorial Agartha: www.agartha.com.br
Contatos: webersalvi@yahoo.com.br 
Fones (51) 9861-5178 e (62) 9776-8957

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